quarta-feira, 22 de julho de 2015

Mário Ferreira dos Santos - ISAGOGE Introdução de PORFÍRIO o Fenício, discípulo de PLOTINO de Licópolis. [...]



Mário Ferreira dos Santos, Isagoge em Porfírio. 

Sendo mister, Crisaórios², para aprender a doutrina das Categorias  de Aristóteles, conhecer o que é gênero, o que é diferença, o que é  5  espécie, o que é próprio (a propriedade), e o  accidente, e que este conhecimento também é necessário para dar as definições³, e  de maneira geral para tudo quanto concerne à divisãoe à demonstração 5, cuja teoria é de grande utilidade, farei para ti uma breve exposição 7, e tentarei em poucas palavras, como numa espécie de introducção, examinar o que disseram os antigos filósofos, abstendo-me de pesquisas muito aprofundadas, e tocando apenas com certa medida as que são mais simples.

De  início, quanto ao que concerne aos  10  gêneros e às espécies, o problema de saber se são realidades subsistentes em si mesmas, ou apenas simples  concepções do espírito 8, e, admitindo serem realidades substanciais, se são corpóreas ou incorpóreas, se, enfim, estão separadas ou se subsistentes apenas nas coisas sensíveis, e junto a elas, evitarei de falar em tais coisas: eis um problema muito profundo, e que exige uma pesquisa totalmente diferente e mais extensa. Tentarei mostrar-te aqui o que os antigos, e, entre eles, sobretudo, os 15 peripatéticos , conceberam de mais racional 10 sobre esses últimos pontos 11 e sobre os que me propus estudar.

1)  Chamado também  Fenício, porque as cidades às quais se atribui  o seu nascimento pertenciam à região chamada Fenícia, hoje propriamente a Síria.

2)  Crisaórios, como vimos na biografia de Porfírio, foi um de seus discípulos, ao qual dirige este trabalho, dando a entender que a matéria já havia sido tratada por ele, pois enumera novamente as razões que levam à necessidade de estudá-la para a melhor compreensão e manuseio da obra de Aristóteles.

3)  Os termos gregos, que correspondem à definição são: horismos, que significa a acção de limitar, de traçar fronteiras, do verbo  horizô, de onde também horizon, horizonte,  horizon kyklos, daí  horos, o limite, de onde a determinação de sentido de uma palavra: definição: horistikôs logos, o logos que define. 

definição, como se verá na obra aristotélica, é um juízo determinativo de máxima determinação. Limita-se, melhormente, um conceito quando se lhe indica o gênero próximo (que, como veremos, determina qüididativamente (essencialmente, mas incompletamente) e a diferença específica (que o delimita qüididativamente e completamente, quando junto com aquele gênero). Tal não quer dizer que seja essa a única espécie de definição. Pode-se definir, também, pelas propriedades, e até pelos accidentes, mas tais definições já  são de menor determinação, chamando-se definição própria, a que define por propriedades, como são freqüentemente as definições das ciências naturais, e  definição accidental, a segunda, que é uma descrição dos accidentes. Muitas das definições da Botânica  e da Zoologia são definições accidentais. Por isso, para se realizarem definições perfeitas, é mister conhecer bem a matéria que a obra passa a estudar.

4)   Sobre a divisão, trataremos nos comentários que seguem a esta parte da obra. Veremos que as diferenças dividem os gêneros em espécies.

5)  Apodeixis, em grego, significa a acção de exibir para fora, acção de fazer, acção de fazer ver, tomando, também, a acepção de expor factos, de publicar e, finalmente, de provar, de demonstrar. Em Aristóteles, significa a prova oposta à inductiva (apagoge), já que a demonstração exige um termo médio, pois mostra  de, de-monstra, cujo termo médio deve favorecer, pela sua melhor clareza, a validez do termo extremo que se procura provar. 

A demonstração é uma argumentação pela qual, por meio de premissas certas e evidentes, deduz-se com certeza uma conclusão. É ela o meio probativo mais eficiente da Ciência, sobretudo da Filosofia, e que Aristóteles examina em seus Segundos Analíticos. Quando se diz que a função da demonstração é provar o  próprio  da  espécie  pela  diferença, não há dúvida que ela também se aplica neste caso, pois uma propriedade só é possível fundada na  diferença, pois esta indica o que caracteriza a  espécie, como veremos mais adiante.

6)  Theôria, em grego, vem de thea, acção de olhar, de contemplar e também lugar de onde se contempla, lugar no teatro onde se ordenam os espectadores, de onde theôrós, o espectador, que também significava o que viaja para ver o mundo, termo similar ao nosso turista, de tour, volta, em francês. Eram chamados  theôrói, usado particularmente pelos atenienses, aqueles deputados enviados para assistirem aos grandes jogos olímpicos ou píticos, etc. Theôria  era, assim, a acção de ver, de observar, de examinar, como também as deputações das cidades gregas, enviadas às festas solenes de Olimpo, de Delfos ou de Corinto, ou aos templos de Zeus, Apolo, etc. No tempo de Péricles, chamava-se theôria  o dinheiro para pagar um lugar no teatro (de  thea). 

Foi com Platão que a palavra tomou a  acepção de contemplação do espírito, meditação, estudo, e por Aristóteles, mais precisamente, a de especulação teórica, oposta à prática. Como as deputações às festas solenes eram ligadas por festões de flores,  theôria  passou, de Platão em diante, a considerar essa nota de conexão, daí a significar toda concepção, meditação ou estudo que liga, costura, alinhava. Aqui significa o estudo, a meditação, a contemplação das regras e normas, que entrosam a demonstração, cujo conhecimento (o da divisão, da definição e o da demonstração) imprescindível, e, sobretudo útil para o 
estudo, é, assim gnôsis, saber.

7)  Uma breve exposição, uma parádosis, a exposição sucinta que realiza um mestre para os discípulos. Porfírio não pretende expor com exaustão a matéria, mas tudo indica que tal matéria já era estudada, exaustivamente, em sua época, e antes até pelos antigos filósofos, como o foi posteriormente, na filosofia renascentista e barroca, por intermédio de escolásticos e não escolásticos, cujos trabalhos chegaram em grande parte até nós, o que compendiaremos, tanto quanto possível, nos comentários às diversas partes desta obra.

8)  Eis um ponto importante, que foi matéria da famosa controvérsia dos universais. São as espécies e os  gêneros realidades subsistentes em si mesmas, sistências per se e in se, o que lhes daria a característica de serem substâncias, ou são apenas entes de razão, noções do espírito, entes esquematizados pela nossa mente. Se são realidades sistentes per se  e  in se  resta saber se são corpóreas  ou incorpóreas. 

Se são tais, se separadas ou não, ou seja: se se dão  per se e separadas das coisas, ou se a sua sistência se dá in re, na coisa, apenas. Considera Porfírio o tema de uma vastidão imensa, o qual exige aprofundados estudos. Ele se exime de fazê-lo, mas, note-se, que reconhece que são de uma extensão e de uma profun-didade que desafia a argúcia, não de um, mas de muitos homens. 

O  texto não é tão anódino como o pretende classificar Gilson, a ponto de não compreender como poderia ele despertar tanto interesse na Idade Média,  de modo que provocou, de Boécio para diante, a famosa disputa  dos universais, que vem até os nossos dias, pois é evidente, que a ela já se haviam devotado filósofos daquela época. 

A disputa entre realistas (que admitem uma  sistência per se e  in se  dos universais) e os nominalistas ( que afirmam que os conceitos universais são apenas palavras que designam as coisas (designatum das coisas), é tema que perdura por séculos e tem hoje alguma revivescência, pela ressurreição de alguns velhos erros facilmente re-futáveis.

Esta matéria pertence, por suas características, à Metafísica, e foi sobretudo examinada pelos escolásticos em suas obras de Crítica.

9)  São os  seguidores de Aristóteles, também chamado o peripatético, de peri, em torno e pathos, paixão, por gostar de dar suas aulas andando.

10)  Logikôteron,  termo formado de  logikôs  e  teron, lógico e cuidado de alguma coisa. Significa maior cuidado lógico e foi muito usado por Aristóteles como sinônimo de dialektikôs, em oposição a  theologikôs, no sentido empregado por Platão, com o significado do estudo, que tende ao exame dos princípios e fins das coisas, sentido também usado por Aristóteles, posteriormente.

O mais racional é o raciocínio lógico, que se processa com os conceitos gerais e não particularizados, como os da ciência particular. Separa-se, também, o raciocínio  physikôs, que se debruça sobre as coisas reais, adequado melhormente à filosofia da natureza. Para Scot, a Metafísica de Aristóteles é mais uma  filosofia da  física  que uma genuína metafísica. Para tornar-se tal, seria mister outras providências, das quais trataremos nos comentários à Metafísica de Aristóteles.

11)  Quer referir-se ao gênero e à espécie em oposição à diferença, ao próprio e ao accidente, do que tratará a seguir:

  1. PROBLEMÁTICA DO PREFÁCIO

A classificação de Porfírio foi aceita, sobretudo pelos medievalistas e pelos escolásticos, como uma boa divisão, e também adequada.

Ora, como a divisão, na Lógica, exige a obediência a certas regras, a primeira pergunta a surgir em torno desta matéria consistiria  em saber se a divisão de Porfírio é obediente a tais regras: em suma, se é realmente boa e adequada.

A divisão, na Lógica, é uma operação que consiste na distribuição de um todo em suas partes. Estas partes chamam-se membros. O todo é o que é um e que pode ser resolvido em muitos (partes, membros). Ora, um todo pode ser ainda  real ou lógico. Real, ou actual, é o um que pode realmente ser dividido (resolvido) em suas partes; lógico, ou também chamado  potencial, é o um que não o é  em si realmente, mas apenas um pela concepção da mente, cujas partes não têm  sistência per se  e  in se. 

No todo actual, as partes são sistentes per se  e in se, independentemente da mente humana. Ora, o objecto da Lógica é  o  ente de razão (ens rationis), portanto, o ente lógico. Os  praedicabilia  de Porfírio são  entes lógicos. E como são tomados como partes de um todo, esse todo é necessariamente lógico.

Como a divisão possui regras, estas devem ser consideradas para que se  possa devidamente classificá-la.
Estas regras são as seguintes:



  • 1)  A divisão deve ser adequada. É mister que todas as partes (membros), tomadas simultaneamente, constituam adequadamente o todo. Uma divisão do  ser vivo,  constituída  de  homens  e  plantas  seria inadequada, por faltarem os animais, os vírus, etc.



  • 2)   Nenhum membro da divisão pode exceder ao todo nem adequar-se totalmente a ele, pois o todo deve sempre ser maior que qualquer uma das suas partes.



  • 3)   Nenhum membro da divisão deve conter algum  outro. Assim, uma divisão do corpo humano em cabeça,  tronco, pernas, pés e dedos, dedos já  estão contido sem pé e pé em pernas.



  • 4)   Deve apoiar-se num fundamento (numa razão,  logos). Assim,  a divisão do homem em brancos, negros e amarelos funda-se na  cor;  a mesma divisão de brancos, negros e engenheiros seria  disparatada  (de  dis  = para cá e para lá,  par, desparelhada).



  • 5)   Não deve ser longa demais, contendo, por exemplo,  subdivisões, ou entes subordinados uns aos outros. 

Em face dessas regras, a pergunta, que exige resposta, é:

A DIVISÃO DE PORFÍRIO É BOA E ADEQUADA?
A resposta implica o exame de muitos aspectos que foram tema de longas especulações pelos escolásticos e não-escolásticos. Se tentássemos compendiar aqui a matéria, prolongaríamos desnecessariamente o tema. Basta-nos, para a melhor inteligência do assunto, compendiarmos as razões principais, as melhor fundadas, que foram propostas através dos tempos.

Essa divisão funda-se na razão da universalidade, porque se trata da divisão dos conceitos universais. Em suma, em face de qualquer conceito, este se refere a um gênero, ou a uma espécie, ou a uma diferença, ou a um próprio, ou a um accidente. Exclui-se, contudo, o conceito individual (o indivíduo), por não ser um conceito universal, portanto não faz ele parte dos conceitos universais.

Esta divisão tem, portanto, uma razão, um  logos analogante, na expressão pitagórico-socrático-platônica.

Na verdade, todos os membros da  dividentia  são predicáveis de muitos e não de um só, pois muitos são os gêneros, as espécies, etc. O que se predica de um só é o conceito individual.

Ademais, essas predicações são formais e não idênticas, porque ao dizermos que X é gênero e Y é gênero, não os identificamos senão formalmente, enquanto gênero: ou seja, em dada  precisão. Essas predicações são, pois,    artificiais, no bom sentido do termo lógico, como se verá ao comentarmos a obra aristotélica, já que o conceito artificial  é o que é construído apenas pela mente, enquanto o experimental  parte da intuição sensível.

Tal não quer dizer que tais predicáveis não tenham nenhum fundamento nas coisas reais, o que se discutirá em outro lugar, já que Porfírio excluiu de sua obra a preocupação em torno da espécie de realidade das suas famosas quinqué vocês.

A predicação é, contudo,  unívoca, e não  análoga, pois predica-se analogamente o que se predica de muitos não simplesmente, mas de um e de outro modo, parcialmente um e parcialmente diverso, como se vê nos comentários às Categorias de Aristóteles. A predicação unívoca pode  convir a muitos, mas sempre pela mesma razão (logos). Ver-se-á naqueles comentários que a predicação análoga não convém nem aos praedicabilia nem aos predicamenta (categorias).

A predicação das  quinqué vocês  (as cinco vozes, as acima citadas) refere-se ao formal, à razão formal da universalidade ou predicabilidade, não propriamente à natureza da coisa, o que não se deve jamais esquecer e que, contudo, muitos esquecem.

A natureza de uma coisa não é facilmente determinada, nem sempre é certa, razão pela qual esta classificação não se adequá à natureza, mas à razão formal. (A natureza é o que constitui o princípio de ser e de operar de uma coisa, a sua emergência como composto hilético e eidético, material e formal).

Que essa divisão é exacta e adequada, demonstra-se ainda por muitas razões, que passamos a compendiar. Há conexão e identidade de um extremo com outro. A identidade ou conexão dos extremos ou é essencial ou accidental, intrínseca ou extrínseca, necessária ou contingente.

Se é  essencial, refere-se apenas à essência, a que cabe na definição, como se verá nos comentários ao  Organon  de Aristóteles, nos volumes posteriores. Ela deve dividir a essência toda e íntegra, ou apenas parcialmente. Como veremos mais adiante, a divisão  íntegra  é a definição específica; se  parcial, é a definição genérica, que é incompleta quanto à qüididade da coisa (a  quidditas  é a razão da essência da coisa, e que transparece, logicamente, na definição); se se refere a uma parte essencial actual, refere-se à  diferença, como veremos, se não convém essencialmente, mas apenas accidentalmente, ao que não é constituinte da essência, mas que provém dos próprios princípios, e tem necessária conexão com estes, temos o próprio; quando convém apenas ao que é extrínseco à essência, e refere-se apenas ao que acontece contingentemente ao indivíduo, temos o accidente.

Damos a seguir uma súmula de razões em favor dessa divisão.

[...]


RAZÕES EM FAVOR DA DIVISÃO
Pode-se perguntar se estes universais são apenas cinco. Justificam os escolásticos o número com as seguintes razões:

Decorre da proporção de um composto substancial de que são eles propriamente predicados, pois o que verdadeiramente se predica de outro deve dizer  totum, já que é impossível predicar a parte do todo. Contudo, um todo pode ser denominado pelo todo, e, também, por uma parte e, deste modo, o predicado pode denominar o todo, ou por uma parte, ou por outra qualquer, ou por uma parte simultaneamente com o todo.


Uma coisa, conseqüentemente, pode receber cinco predicados, se ela é  algo material. Quando se denomina o composto pelo que tem ele de material, diz-se gênero; quando  se  denomina pelo princípio formal, diz-se diferença; quando se considera o  haver  do gênero para com a diferença, unindo matéria e forma, diz-se espécie; se se refere aos accidentes, causados pelos princípios da espécie ou do gênero, diz-se  próprio, e se pelos accidentes causados pelos princípios de um indivíduo, diz-se accidente. Demonstramos de outro modo:


Pode-se dizer que,  ao predicar-se alguma coisa de outra, predica-se  total ou parcialmente. O que se predica totalmente, faz-se  necessariamente  quando é da qüididade da coisa, ou  contingentemente, quando se predica em relação ao todo, não se referindo à sua essência. No primeiro caso, predica-se a  espécie, que é essencial,  necessária  e totalmente, e predica-se a  diferença, que é constituinte da espécie. No segundo caso, predica-se a propriedade, que é um accidente necessário da espécie da coisa à qual se refere, porém, actualmente necessária do sujeito que a represente.


 Quando se predica parcialmente, pode-se predicar ainda essencialmente  ou  não-essencialmente. No primeiro caso, temos o  gênero, quer remoto, quer  próximo, que se refere  à essência  de uma coisa tomada incompletamente, (porque quando se diz que homem é animal, diz-se algo da essência, mas incompletamente).


No segundo, temos o accidente, que somente, como tal, pode ser predicado, tanto da espécie como do sujeito que a represente.


Como estas cinco possibilidades são as únicas gerais que se podem  estabelecer quanto à predicação de qualquer coisa, a divisão porfiriana dos cinco predicados está suficientemente explicada e justificada.


A clareza e a profundidade com que os antigos lógicos escolásticos examinavam os cinco  praedicabilia, manifestam-se na  exposição sucinta que fazemos abaixo, na qual se expressa a nitidez de um pensamento seguro e bem ordenado, tão desconhecido dos modernos lógicos, que julgam haver, nesta matéria, dificuldades invencíveis, razão pela qual preferem abandonar a ordenação clássica, pela equívoca de classe, que não pode, de modo algum, conter a segurança que oferecia a anterior.


O que a outro é ligado (o que de outro se predica) convém-lhe de modo necessário ou  não-necessário; ou seja: contingentemente  ou  accidentalmente: de onde accidente (praedicatio in quale contingens = predicação in quale, contingentemente).


Predica-se  in quale, quando se predica o que não é da essência de uma coisa, apenas aquilo que lhe pode acontecer, não por necessidade essencial, mas o que lhe é  accidental, como o predicar branco para Sócrates, ou alto para Golias, etc. 


Predicar  in quid  é predicar a essência. Assim "Sócrates é um animal racional" é predicar in quid, atribuir a qüididade. O que convém de modo necessário a alguma coisa lhe é atribuído constitutivamente: ou seja, sem o qual não seria nem valeria a cogitação que dela se fizesse, ou, então,  não-constitutivamente; ou seja, enquanto emergente ex constitutivis, emergindo da sua constituição, da sua estructura, como algo que é da sua  propriedade, que lhe  é próprio  (temos, então, a  praedicatio in qualenecessária, uma predicação necessária in quale).


Ora, o que se aplica constitutivamente a alguma coisa, constitui essa coisa ou parcialmente ou totalmente; isto é, especificamente, porque a especifica, de onde espécie (praedicatio in quid complete  = predicação  in quid, completamente realizada). Quando se predica algo parcialmente, mas que lhe é constitutivo, porém de modo indeterminado, predica-se, então, genericamente ou materialmente, de onde  gênero (praedicatio in quid incomplete  = predicação  in quid, incompletamente realizada). 
Mas se for determinadamente, e  de modo que se distinga  de outros,  caracteristicamente ou discretivamente, temos, então, a diferença  específica (praedicatio in quale quid = predicação  in quale (accidental), mas de algo in quid, afirmando a qüididade, essência).


Podemos, agora, seguindo a linha clássica, definir os cinco praedicabilia: 


Espécie, o que de modo necessário convém a alguma coisa, constituindo-a totalmente. Assim, quando se predica de Pedro e Paulo que são  homens, predica-se o mesmo  in quid, distinguindo-os apenas numericamente, enquanto especificamente considerados, sem atender ao que accidentalmente os distingue, ou o que os distingue fora da espécie.

Gênero  é o que convém a algo de modo necessário  in quid que, parcial e indeterminadamente, o constitui. Assim, animal, quando predicado do homem e do cavalo.


Diferença específica  o que de modo necessário (in quid) convém a algo, e que, parcial e determinadamente, o constitui. Assim,  a  racionalidade  convém aos homens, constitui-os e os distingue de outros entes.


Próprio  é o que de modo necessário (in quale in quid) convém a alguma coisa, não a constituindo. Assim a admirabilidade  convém ao homem de modo necessário, porque deflui da própria essência totalmente constituída.



Accidente é o que contingentemente convém a alguma coisa...


RESPONDE-SE A ALGUMAS OBJEÇÕES

Dizem alguns que a espécie não predica totalmente a qüididade de uma coisa, mas apenas parte, pois aquela é parte do indivíduo e não todo o indivíduo, já que não se diz tudo de Paulo ao dizer que é ele animal racional, como é a definição específica dele; igualmente se dá com o gênero, que também é parte do indivíduo.

Mas a espécie implica, na definição, todo o gênero e a diferença, e expressa toda a essência da coisa, como vimos. A qüididade é a essência do indivíduo, e refere-se a este, não como parte deste, porque a essência é tomada universalmente e não se refere à singularidade do indivíduo; portanto,  não é parte integrante deste, como é um braço ou uma perna, mas a totalidade específica que ele tem.

Alegam outros que há predicações que se fazem de muitos e que não se incluem na classificação de Porfírio, como o indivíduo vago: homem, pessoa, etc. Tais predicados dizemos de Pedro e igualmente de Paulo, e não são eles nem gênero, nem espécie. Tal argumento não procede, porque tais termos não se predicam apenas na ordem dos  praedicabilia, mas em várias. Assim,  homem, predicado de Pedro ou de Paulo, predica-se  in quid, quando se refere à classe à qual eles pertencem, e predica-se  in quale  (qualitativamente), quando nos referimos ao seu modo de individuação, que já pertence aos accidentes. Tal predicação, pois, não se reduz a um só predicável, mas a muitos.


Aqueles que alegam que a morte e a existência não se classificam em tais predicáveis, porque não se predicam essencialmente, por não pertencerem à qüididade da coisa, nem serem propriedades, porque não dimanam de princípios 
intrínsecos, nem accidentes, porque estes, enquanto tais, nem ao se aproximarem, nem ao se afastarem provocam a corrupção do sujeito, como é próprio dos accidentes, esquecem-se que a morte é realmente um accidente que não se dá sem aproximação da corrupção física do sujeito, da sua existência.

Outros dizem que não há necessidade de cinco predicáveis, por uma razão muito simples: o que predicamos de uma coisa ou se predica essencialmente ou se predica accidentalmente, portanto, não há lugar para a divisão proposta.


A divisão é de certo  modo justa; mas quando predicamos essencialmente, predicamos ou completamente (espécie) ou incompletamente (gênero), e à proporção que os gêneros são mais remotos, a incompletude é maior. O mesmo se dá com a diferença, que pode ser de uma espécie superior, gênero de uma subalterna, como a diferença específica de animal, constituinte da espécie, que é gênero de homem, como é fácil ver-se. Portanto, a predicação essencial pode ser completa e incompleta, com a espécie e gênero, e estes incluem suas diferenças específicas, enquanto são espécies (que não o é o gênero supremo, como veremos mais adiante). Também quando predicamos algo accidentalmente, predicamo-lo como accidente da espécie ou do gênero, ou apenas do indivíduo.


Ademais, o exame que expusemos acima, extraído de nosso Métodos Lógicos e Dialécticos (4.ed.), justifica suficientemente a divisão de Porfírio, e demonstra a sua validez.


Outros alegam que tais predicáveis, na verdade, são apenas gêneros, porque se predicam de muitas espécies de gêneros, de espécies, espécies de propriedades, espécies de accidentes. Portanto, os predicáveis, na verdade, são gêneros apenas, e a 
divisão de Porfírio é apenas subordinada e não primacial. Estas razões são improcedentes, porque há categórica distinção entre o gênero supremo e a espécie especialíssima, como veremos. Ademais, a universalidade não é a nota única da essencialidade do gênero, nem os predicáveis são apenas genéricos porque têm essa nota de universalidade, pois já vimos que são universais. As distinções já apontadas são suficientes para justificar a diferença de predicação, já que se deve dar nomes distintos ao que é distinto em natureza. 

Caracteriza a universalidade o ser  um em muitos, e cada uma dessas divisões  é  um em muitos, pois é um que se predica de muitos. Outrossim, é o que se vê da própria função do predicado e a do sujeito, porque se o que se predica é um de muitos ou em muitos, o sujeito procede ou se comporta como um em muitos, mas como um que recebe uma predicação. Os 
predicáveis não se distinguem entre si apenas em número, mas segundo a intencionalidade que se lhes empresta. 

A  propriedade  e o  accidente  predicam-se secundum quid; ou seja, relativamente ex parte rei, por parte da coisa, tomada na sua individualidade, e não se univoca com a coisa, pois a sua ausência não negaria a coisa.



SÚMULA DO CAPITULO 1. (DO GÊNERO)
Neste capítulo, propõe Porfírio três acepções do termo GÊNERO (em gr. GENÓS).

  • 1)   É a multidão de seres humanos provenientes de um progenitor, ou descendentes de uma pátria comum. Assim os heráclidas, que provêm de Hércules, os romanos, de Rômulo.



  • 2)  O que provêm de um parente ou da pátria, como Píndaro, do gênero Tebanos; Platão do gênero ateniense, etc. Gênero é, então, o princípio da geração de quem quer que seja.



  • 3)  É o predicável, acepção que lhe dão os filósofos.
Como predicável, GÊNERO  é descrito por Porfírio:  o que é predicado essencialmente de muitas espécies diferentes, como animal, que é predicado da espécie humana e da espécie eqüina.

   Finalmente, distingue gênero do indivíduo, porque este se predica de um só; enquanto gênero se diz de muitas espécies, e não de muitos indivíduos, pois este aspecto é que caracteriza a espécie. O próprio é o que se diz da espécie e também dos indivíduos, como "capaz de admirar-se", que se diz de cada homem, Pedro, Paulo, etc. Distingue-se da diferença e do accidente porque estes se predicam IN QUALE e não IN QUID, muito embora a diferença se predique IN QUALE IN QUID, pois refere-se a um QUALE do QUID, como veremos mais adiante.



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