Vicente fez parte de um capítulo importante do pensamento brasileiro, que se desenrolava em São Paulo entre as décadas de 40 a 60 do século XX. Qual era o panorama da intelectualidade paulista neste período?
Havia basicamente quatro núcleos. O primeiro gravitava em torno de Miguel Reale e do Instituto Brasileiro de Filosofia, um segundo se concentrou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Rua Maria Antônia, embrião da futura USP. Um terceiro, que foi o grupo de Vicente, e por fim o do filósofo Mário Ferreira dos Santos, trabalhando de forma quase que totalmente independente.
Vicente foi contemporâneo de Mário Ferreira dos Santos. Como você compararia a obra desses dois pensadores?
São dois dos pensadores mais importantes de língua portuguesa no século 20. Em termos de estudos metafísicos e pitagóricos, o Mário é o um dos maiores do mundo, o Vicente talvez seja um dos mais audaciosos e originais, em nível internacional também. As matrizes deles são diferentes, porque o Vicente vem de uma crítica da metafísica enquanto o Mário é um continuador e aprofundador excepcional da Metafísica. O Vicente parte do pressuposto que o pensamento de tipo metafísico está muito preso a raiz aristotélico-tomista, um pensamento de certa forma substancialista. A idéia dele é resgatar nos pré-socráticos, poetas e mitos arcaicos uma nova perspectiva do pensar. Também está o tempo todo dialogando com Kant, Fichte, Hegel, os Românticos, Heidegger e a fenomenologia. O Mário dialoga com uma filosofia muito antiga, que é o pitagorismo, mas que é uma filosofia que estrutura toda a unidade do mundo real, a partir dos matema, a Mathesis Magiste, os arithmoi arkhai, ou seja, os princípios arcanos, que são princípios arquetípicos: leis invariáveis, eternas, universais. O Mário solidifica mais a idéia de uma tradição, de um retorno. Já a fundamentação do Vicente é mais fluida, mais próxima de um Heráclito, por exemplo, do que de um pitagorismo ou da escolástica. Ambos são filósofos no sentido mais profundo da palavra. O Vicente dizia que o pensador é aquele que chega na tradição mas ao mesmo tempo tem que ser uma espécie de colonizador do futuro, está sempre propondo novos conceitos, arriscando mais, no sentido da fluidez, do condensado de idéias e de novas perspectivas.
Por Felipe Cherubin. Rodrigo Petronio, organizador das obras completas do filósofo Vicente Ferreira da Silva, fala a seguir em entrevista exclusiva concedida à Dicta.com, sobre o homem e a obra.
- A redescoberta da filosofia no Brasil I – Panorama Geral.
- A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos
- A redescoberta da filosofia no Brasil III – Vicente Ferreira da Silva.
Os desenhos foram criados por Cido Gonçalves, caricaturista, ilustrador e infografista. Iniciou a carreira no jornal Folha de S. Paulo no inicio da década dos anos 90, passando depois pelas redações do jornal O Estado de S. Paulo e revista Veja. Blog do Cido: ciddogonn.blog.uol.com.br
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